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sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

O ABSURDO DE VIVER (Camus)

A jornalista do Estadão, Fabiane Leite, fez uma bela homenagem com seu texto "Carta de um pai que não internou seu filho", sobre a complexa e intensa relação pai-filho e mesclando jornalismo com o emocionado relato de Geraldo, feito por email, quando do falecimento do André.
Um mês depois, Geraldo escreve novo email (que tomo a liberdade de postá-lo) e nos faz refletir muito sobre a vida, a morte e nós. Gostaria de ter tempo para responder ao André, se ele me perguntasse: "A vida é eterna, não é?" "É sim! É sim!". Na ausência desse diálogo, deixo uma música dos Beatles que tenta traduzir tantos sentimentos...(*)

"Foi uma angústia a vida toda do André. Era um mal-estar, um desassossego, sempre presente em sua vida. A morte para ele, foi a libertação. Para mim, é difícil falar disso. Sinto muito a sua falta. Sinto que não consegui amenizar sua dor existencial. A morte seria o caminho inexorável, para que encontrasse paz. Apesar de sua angústia ele viveu a vida, na mais profunda acepção do que se possa entender o que seja estar vivo e, em total liberdade. Estou me referindo à liberdade, no seu sentido filosófico. Apesar de sua angústia, ele foi livre, absolutamente livre. Só agora compreendo o que é ser livre – aprendi com ele. Não falo aqui, nem em crenças, nem de metafísica, nada disso... Afinal, a vida merece ou não, ser vivida? Esta foi a questão principal, para Camus, assim como, para André. Não foi um suicídio, mas, foi uma saída para sua angústia. Quem poderá dizer que o suicídio, algum dia, não viria a acontecer? “Viver sofrendo é inútil!” André nunca teve clareza de que a vida é um absurdo! Não percebia que empurrava uma pedra morro acima, mas que, quando acreditava ter conseguido alcançar a sua meta, a pedra rolava, morro abaixo (a metáfora da crise), conforme o mito de Sísifo, que recebeu de Zeus como castigo, empurrar uma grande pedra morro acima, eternamente. Por suas paixões e seus desesperos, a vida dele, me parecia um absurdo, o qual tentei contornar, através de conselhos, companhia, amor, psiquiatria, medicação, meditação, etc. Para ele, tudo parecia impossível. A vida é mais forte que a doença, porém, eles não têm consciência disso. Sabem, mas não conseguem expressar o horror que sentem, o absurdo que é viver uma crise psicótica. Nada, nem médicos, nem psicólogos, nem psicanalistas, nem pais-de-santo, ninguém mesmo, conseguiria amenizar esse absurdo que é a vida, vivida por um psicótico. Ver e constatar meu filho morto na minha frente, foi o absurdo dos absurdos, total, irretorquível e definitivo. Psicose e absurdo, não sei se me faço entender... Vivi esta situação limite, do absurdo da psicose, sendo mostrado bem diante de mim. Presenciei-o de frente. Encarei-o. Nada mais poderá ser absurdo para mim. Ele desejava respostas para o significado da vida. Não as obteve nunca. Em nossas conversas, sempre dizia: - “A vida é eterna, não é pai?”. Essa foi a sua grande ilusão. Por isso sua vida, até a sua morte, foi um absurdo! No meu entender, acredito que, para ele, a vida valia a pena ser vivida, apesar de termos conversado algumas vezes, sobre suicídio e, de um dia tê-lo tirado, já com o pé no parapeito de uma janela de um oitavo andar e, em outro momento, encontrá-lo desmaiado, depois de ter ingerido uma caixa inteira de um dos seus medicamentos. Ele viveu em estado de extrema angústia e solidão, questionando o mundo à sua volta sem encontrar respostas, num estado de estranheza, mergulhado em um mundo fictício, criado sobre os alicerces de suas alucinações. As questões da existência humana sempre o fascinaram muito. Percebo, somente agora, quantas questões relevantes ele abordou comigo sem que eu me desse conta da sua importância, ou que, mesmo percebendo, não saberia como respondê-las. Achava que teríamos muito tempo, todo o tempo do mundo. Achava que teríamos a vida toda para conversar...

“A vida é eterna, não é pai?” era a sua pergunta e, ao mesmo tempo... sua afirmação.

Este é um momento, um desabafo. Tenho outras lembranças, lindas, alegres, divertidas, carinhosas, amorosas, cheias de ternura. Ríamos muito, gargalhávamos, até. Foi uma linda companhia, essa. Foi um ente iluminado, um ente encantado, com quem aprendi muito...

Faz um mês! A dor, o espanto e a lembrança continuam presentes.

Geraldo

(e Dulce)"

(*)

Um comentário:

Anônimo disse...

Il semble que vous soyez un expert dans ce domaine, vos remarques sont tres interessantes, merci.

- Daniel